Frutas que comemos hoje são maiores, mais suculentas e menos variadas
Você gosta daquela melancia grande da feira? A que é
verdinha por fora, toda vermelha por dentro e bem suculenta? Agradeça aos
agricultores por ela existir. E não só aos que plantaram a última que você
comeu, mas aos que vêm plantando e melhorando as melancias nos últimos séculos
ou milênios. Graças a eles, a melancia de hoje – assim como o milho, o feijão,
a pera – são bem diferentes dos que encontraríamos há muito tempo atrás.
Pistas da mudança pela qual a melancia passou ao longo dos
anos estão em quadros antigos, em que ela é retrata bem menos vermelha do que a
que vemos e comemos hoje. "O homem faz melhoramento sem saber desde o fim
da pré-história. Quando descobriu a agricultura, começou a selecionar o que
interessava. 'A mais gostosa é a que vou levar para frente, vou plantar de
novo'. Essa é a lógica", explica Rodrigo Gazaffi, professor do Departamento
de Biotecnologia e Produção Vegetal e Animal da UFSCar.
Uma melancia que enche nossa boca de água em uma mordida é
fruto de melhoramento genético. Mas não se trata apenas de ciência avançada,
tampouco há necessidade de alta tecnologia – embora exista ciência e tecnologia
modernas voltadas para a melhoria de plantas. Observar os melhores frutos do
cultivo agrícola, cruzar tipos diferentes e manter aqueles com as
características mais interessantes é trabalho que sempre foi feito por quem
está na lida com a terra, em todas as regiões do mundo.
"Agricultores são selecionadores natos. Escolhem o tipo
mais adequado de uma planta para seu ambiente, para o solo e a condição
climática", diz Irajá Ferreira Antunes, agrônomo e técnico da Embrapa
Clima Temperado. Mas não agrada a ninguém ter apenas um tipo de um determinado
alimento. O feijão, por exemplo. É interessante ter o preto para fazer uma
feijoada, um branco para preparar uma sopa e um carioquinha para fazer feijão
tropeiro, por exemplo.
Por isso, ao longo da história, o agricultor não se limitou
a escolher apenas a variedade que julgou mais interessante, deixando de
cultivar outras. "Diferentes feijões, milhos, batatas... toda a riqueza
que a gente tem é muito grande em termos genético. Toda essa variedade também
vem do trabalho que agricultores fazem ao longo do tempo. É a interação do
agricultor, que possui diversas necessidades culturais, com a espécie e o
ambiente que resulta na variabilidade", completa Antunes.
Ele conta que um banco de sementes de feijão na Colômbia
abriga mais de 40 mil materiais. Na Noruega, o Centro Internacional de
Agricultura Tradicional guarda 4,5 milhões de cópias de segurança de cultivos
agrícolas de todo mundo. Nossa feira fica sem graça perto de tanta opção.
As sementes utilizadas na agricultura tradicional, que
guarda imensa variedade, são chamadas de sementes crioulas. Pequenos produtores
é que conservam o seu uso. Já as industrializadas são produzidas por empresas e
centros de tecnologia em grande quantidade. Tanto as sementes crioulas quanto
as industrializadas são melhoradas de forma convencional – por meio do
cruzamento e seleção das melhores características. Os transgênicos, forma menos
usada de melhoria na indústria, são produtos da manipulação do material
genético das plantas, na qual são introduzidos genes estranhos, como os de uma
bactéria resistente a uma praga, por exemplo.
Maiores, melhores,
mas todos iguais
Voltando à melancia. Por que na feira só encontramos aquela
grande, bem vermelha e suculenta por dentro, com raras variedades? Segundo os
pesquisadores, esse é o lado ruim da história recente da alimentação, quando
sementes melhoradas são produzidas industrialmente.
A seleção de sementes, feita desde o surgimento da
agricultura, há cerca de 10 mil anos, se potencializou no século 20, com o
avanço da ciência e da tecnologia. Variedades com características melhores para
a produção em larga escala e resistentes a produtos químicos passaram a ser
comercializadas. Tal avanço permitiu aumentar a produção de alimentos, mas
produziu a homogeneização dos materiais cultivados.
"Se antes se cultivava 100 sementes distintas de trigo,
por exemplo, com a melhoria feita pela Revolução Verde passa a ser utilizado
apenas 15", diz Gazaffi. As mudanças econômicas que chegaram ao campo, com
a introdução da lógica da produção industrial de alimentos, fez com que o
agricultor que antes produzia para subsistência precisasse produzir para
vender.
"A semente industrializada é a mesma para diferentes
ambientes e regiões. Perde-se a variedade e o elemento cultural associado às
deferentes sementes", diz Antunes. Além da perda cultura, a redução da
variedade de sementes e plantas exposição à sociedade a riscos. "A grande
fome, que matou milhares de pessoas na Irlanda deveu-se ao fato de cultivarem
poucas variedades de batatas, que não eram resistentes a uma praga que
surgiu", completa Gazaffi.
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